terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A Bondade em Detrimento a Existência de Deus


O primeiro ponto a ser definido sobre a questão deve ser a distinção entre ser bom sem acreditar em Deus e ser bom sem a existência de Deus. É evidente que a despeito da crença encontramos pessoas de boa índole, que conduzem suas vidas embasadas pela moral e pelo bem. Assim como é nítido o sentido contrário, isto é, pessoas que advogam uma crença religiosa e desregradamente conduzem sua vida.

Deste modo, a questão em voga é: podemos ser bons SEM Deus? A provocação propõem uma investigação sobre a natureza dos valores morais, ou seja, são eles apenas convicções sociais? Expressões de preferências pessoais? Ou de alguma forma são válidos independente da disposição social ou preferencia pessoal? E se o forem objetivos desta forma e não subjetivos, qual o fundamento para tamanha objetividade?

Cabe lembrar que o debate não é novo e também não se trata de uma falácia, mas de um sofisticado raciocínio filosófico. Haja vista o professor de filosofia moral da Universidade de Cambridge William Sorley, uma das maiores referências para o estudo com sua obra de 1918 Moral Values and the Idea of God [Valores morais e a ideia de Deus].

Pois bem, o debate gira em torno da subjetividade ou objetividade dos valores e deveres morais. Para distinguir ambos, pontua-se que objetivo é “independente da opinião das pessoas” e subjetivo é “dependente da opinião das pessoas”. Deste modo, afirmar que existem valores morais objetivos significa que algo é bom ou mau independente do que as pessoas pensam a respeito, do mesmo modo deveres morais objetivos são certas ações que independente do que as pessoas pensem sobre, algumas serão certas e outros erradas.

Por exemplo, afirmar que o holocausto foi objetivamente errado é dizer que ele foi errado ainda que os nazistas pensassem ser correto. De outro modo, se não há um padrão objetivo e os valores e deveres morais são subjetivos, dependentes da opinião pessoal, temos espaço para que o nazismo seja bom e os atos de Madre Tereza sejam maus.

BUSCANDO AS ORIGENS

Tradicionalmente os valores morais tem sido baseados na figura do Deus judaico-cristão, que é a fonte do bem supremo segundo a cosmovisão. Mas se Deus não existe, qual é a base para nossos valores? Alias, qual o motivo para acreditarmos que os seres humanos possuem valores morais?

Do ponto de vista naturalista (a forma de ateísmo mais difundida), as únicas coisas que existem são as descritas por nossas teorias cientificas. Exclui-se por tanto todas as questões metafísicas, isto é, aquilo que não pode ser testado por um método. Logo, cabe lembrar que no quesito moral a ciência é neutra, afinal de contas, não é possível encontrar valores morais em um calculo de física por exemplo. Por tanto, para essa cosmovisão os valores morais não existem na realidade e nossos padrões de comportamento são apenas o subproduto da evolução biológica e do condicionamento social. Deste modo, tudo que nos resta é crer que somos uma criatura simiesca em uma partícula do universo atormentada por delírios de grandeza moral.

Se a realidade da existência de Deus for falsa, por que deveríamos ter algum dever moral? Quem ou o que nos apresentaria esses deveres? E por que deveríamos cumprir? Por que sermos misericordiosos por exemplo? Colocando em termos práticos, do ponto de vista darwinista a humanidade é uma raça animal evoluída e animais não possuem deveres morais uns para com os outros. Quando um leão cassa sua presa ele apenas cassa, não assassina. Quando uma abelha mata sua prole de fêmeas férteis para garantir o posto de rainha na comédia[1], ela apenas garantiu seu posto, não cometeu infanticídio, bem como quando um macho força cópula com uma fêmea, ele não comete estupro.

Embora a explicação evolutiva aponte para o estupro e incesto como algo não vantajoso biologicamente para a espécie e por isso tenha se tornado um tabu, essa perspectiva não demonstra em nada que incesto e estupro são realmente errados, sem contar é claro que tabus podem ser quebrados! Logo, quando um macho humano comete estupro, ele não está fazendo nada de mais grave do que um ato deselegante, pois somos animais sem deveres morais com valores subjetivos.

O leitor pode achar neste momento que o texto segue tendencioso, e que as implicações do ateísmo não são realmente assim, pois bem, Randy Thornhill e Craig Palmer são os autores do livro A Natural History of Rape [História Natural do Estupro] e como evolucionistas que são, afirmam que o estupro é uma conseqüência natural da evolução, "um fenômeno natural e biológico, produto da herança evolucionária humana", semelhante a coisas como "as manchas do leopardo e o pescoço comprido da girafa"[2].

Neste contexto, o assassinato, o infanticídio e o estupro não podem estar objetivamente errados justamente por não existir uma lei moral objetiva mas apenas elementos químicos observáveis em laboratórios. Portanto, os darwinistas coerentes com sua visão de mundo podem apenas sentirem aversões pessoais quanto a estes atos, mas não considera-los moralmente errados.

FOCINHO DE PORCO NÃO É TOMADA

Não devemos confundir as coisas, por isso cabe lembrar que não estamos cometendo uma redução ao absurdo afirmando que todos os ateus ou evolucionistas são pessoas más. Não há motivos para se pensar que a não crença em um Legislador Moral seja um fator que impossibilite qualquer um de viver uma vida boa e descente. Também não se está argumentando que seja necessário crer em Deus para reconhecer o valor de amar nossos filhos. Devemos também admitir que é muito provável que seja possível elaborar um sistema ético sem fazer referência ao Divino, basta partirmos do reconhecimento do valor intrínseco à vida humana.

Logo, a questão central do argumento não é se há necessidade de acreditar em Deus para ter uma moralidade objetiva, mas sim se há necessidade de que Deus exista para que exista uma moralidade objetiva.

EXISTEM VALORES MORAIS OBJETIVOS?

Por vezes o argumento mais popular contra a existência de Deus é a presença caótica do mal no mundo. Contudo em geral o ateísmo estagnam na afirmação de que seria mais lógico acreditar que um Deus bom e justo não exista mediante esse contexto do que tentar compreender de que maneira o mal e Deus possam coexistir. Embora esse não seja o foco do debate, há um detalhe que tem sido passado por alto neste conhecido dilema de Epicuro, isto é, de que modo o ateísmo sabe que o mundo é injusto?

Clive S. Lewis, uma das maiores referencias em Literatura Medieval e Renascentista do século XX, professor de Oxford e Cambridge, por anos defendeu o ateísmo até se deparar com a controvérsia do dilema proposto. Declarou: "Como ateu, meu argumento contra Deus era que o Universo parecia cruel e injusto demais. Mas de que modo eu tinha esta idéia de justo e injusto? Um homem não diz que uma linha está torta até que tenha alguma idéia do que seja uma linha reta. Com o que eu estava comparando este Universo quando o chamei de injusto?” [4]

A conclusão é logicamente sólida: não podemos saber o que é mal a não se que saibamos o que é bem. E não há como saber o que é o bem a não ser que exista um padrão objetivo fora de nós mesmo (transcendente), caso contrário, qualquer objeção ao mal nada mais é do que opinião pessoal e subjetivamente insustentável.

Sem um padrão objetivo de justiça, a injustiça não tem sentido, não existe mal objetivo e o Holocausto Nazista jamais poderia ter sido condenado, a menos que como humanidade apelássemos para um padrão universal de bem, e é o que fizemos. Logo, uma vez que todos nós sabemos que o mal existe, então também existe objetivamente o bem.

Por fim, afirmar que “não existem valores morais objetivos” é o mesmo que sentar em uma cadeira sem assento, pois a pessoa que nega todos os valores valoriza o seu direito de negá-los, além de querer que todo mundo a valorize como pessoa, embora negue que existam valores nas pessoas. Insistir nesta insustentável cosmovisão é manter-se na ilógica de não ver nenhum valor moral objetivo atuando no mundo, mas perceber que de fato o mal é moralmente condenável.

Diante disso, não é de admirar que Bertrand Russell, um dos maiores defensores do ateísmo confessasse que não podia viver como se os valores morais fossem meramente uma questão de gosto individual e que ele, portanto, achava seus próprios pontos de vista “inacreditáveis” afirmando "não saber a solução”. [3]

A MORALIDADE PODE EXISTIR SEM UM LEGISLADOR MORAL?

Sabemos que ainda há questões sobre a moralidade que envolvem outros fatores para debate, e que cada um deva ser bem definido para evitar confusão. Contudo, tentando ser o mais claro e pontual possível, cabe lembrar que embora possa-se debater sobre os valores de culturas ou indivíduos diferentes, presumindo assim que existe subjetividade e não objetividade moral, deve-se entender que no momento em que julgamos um conjunto de idéias morais melhor que outro, estamos em realidade mensurando ambos de acordo com um padrão objetivo.

Se um conjunto se conforma melhor ao padrão do que o outro, o padrão usado para a medida é, de certo modo, diferente, a parte de ambos. Nesse momento, estamos de fato comparando ambos com alguma moralidade real, admitido que existe uma coisa chamada certo real, independentemente daquilo que as pessoas pensam, e que as idéias de algumas pessoas aproximam-se mais desse certo real do que outras. Pense da seguinte maneira: se as suas idéias morais podem ser mais verdadeiras e as dos nazistas menos verdadeiras, então deve haver alguma coisa — alguma moralidade real — para que elas sejam consideradas verdadeiras. [5]

Logo, o indivíduo que moraliza pressupõe valor intrínseco em si e transfere o valor para a vida de outro, considerando a vida digna de proteção (concordamos que genocídio judeu foi uma atrocidade). Um valor transcendente, isto é, que está a parte dos conjuntos em avaliação deve provir de um Ser (objetos e animais são amorais) de valor transcendente. No entanto, segundo a cosmovisão naturalista em que apenas existe matéria e nada mais, não pode haver nenhum valor intrínseco, mas sabemos que há, e agimos de tal forma. Até mesmo filósofos relativistas reconhecem a objetividade moral quando não esperam que suas esposas sejam relativamente fieis a eles. Todos em sã consciência não desejam ser traídos, ainda que sejam traidores.

Resumindo a ópera, quando afirmamos que existe algo chamado mal, é preciso supor que existe algo chamado bem, e para a existência do bem é necessário existir uma lei moral por meio da qual se distingue entre bem e mal. Por fim, quando se supõe uma lei moral, é preciso pressupor um legislador moral, isto é, a origem da lei moral. [6]

Em termos filosóficos, a equação lógica se estabelece assim:
• Os valores morais objetivos só existem se Deus existir;
• Os valores morais objetivos de fato existem;
• Logo, Deus existe.

Para encerar, J. L. Mackie, um marcante ateu e questionador da existência de Deus admite pelo menos essa relação lógica, ao dizer: "Podemos alegar [...] que características objetivas, intrinsecamente normativas, alheias às naturais, constituem um grupo de qualidades tão estranhas que pouco provavelmente teriam surgido do curso normal dos acontecimentos sem um Deus todo-poderoso que as criasse”. [7]

Desse modo, a lógica nos leva conclusão de que nada pode ser intrínseco, transcendente e normativamente bom sem que haja também um Ser com as mesmas características e que tenha projetado o Universo dessa forma.


Referências

[1] CharlesDarwin - The Descent of Manand Selectionin Relationto Sex, p. 100
[2] A Natural History of Rape: Biological Bases of Sexual Coercion. Cambridge
[3] Carta ao editor, Observer. London, 6 de outubro de 1957
[4] C. S. Lewis - Mere Christianity, p. 45
[5] ibidem, p. 25
[6] Ravi Zacarias - A Morte da Razão, p. 46
[7] Citado em Moreland, J. R Reflections on Meaning in Life without God, Trinity Journal NS9, 1988, p. 14

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